domingo, 28 de outubro de 2012

Pedras

Que susto levei ao acordar e perceber que ali onde deveria estar localizada minhas vísceras, órgãos responsáveis pela preservação de substâncias vitais, havia pedaços de pedras. Num domingo de outubro, sentia um medo concreto. Medo em forma de britas.
Escrevemos segundo um filosofo italiano, que eu nunca li, para tornarmos impessoais, para pôr ao mundo aquilo que nos excede, que não está presente na nossa identidade. Ou seja, escrevemos para tocar uma zona de desconhecimento.
Pela incapacidade de narrativas longas, pontuo frases lâminas e ao invés de descrever paisagens descrevo pedras. Cada pedra é uma espera. Cada pedra é uma viscera, que se tornou brita, que se tornará asfalto, que um dia virará rua, que poderá virar passagem. ou não.
Pedra 1- não saber o que fazer com braços e bocas. Olhar para ele e não entender o que fazer com um corpo que grita afeto. Tornar-se um atleta afetivo, como dizia Artaud é reconhecer que desejo é músculo e ossos. Que amor e afeto podem também se tornar lesões.
Pedra 2- (h)a mar por todos os lados. Entre anotações num caderno preto a seguinte frase chama atenção: "Ele não está mais ao meu lado"
Pedra 3- ela, que vivia na Cãonilândia, sentia-se cada vez mais atraída por estrangeiros (forasteiros?) que chegavam na sua cidade. Ela que nunca havia pego um avião, aprendera uma língua estrangeira, com os livros de uma tia falecida, professora de francês, numa escola católica da cidade. Ela, que sabia que amour rimava com bonjour, entendia também que "corps" em francês é singular e plural. Le corps, les corps. Ela não entendia seus próprios corpos. Ela desejava o que não existia. Ela alucinava frente aos seus livros.
Pedra 4- Uma pessoa, na posição de quatro apoios, ou de quatro, como se costuma dizer mais habitualmente, espera algo que talvez nunca tenha existido. Essa pessoa está há uma hora nessa mesma posição. Ela não desespera. Ela chora.
Pedra 5- eu toco o seu braço. E agora falo de mim. Eu toco o seu braço, e dou-lhe um beijo no seu rosto. Ele me abraça forte, pega sua bicicleta e parte. (para a Cãonilândia?). Não durmo. Acordo sem estômago.
Pedra 6- ela, que perdera um amor muito nova, a cada dia inventava diferentes formas de manter-se ocupada. Ela que sentia-se atormentada com pequenas coisas,acendia velas escondida. Escondia-se de si própria o que era tormento. como formiga, carregava pequenos pesos em suas costas, e a noite fazia pequenas preces para qualquer santo. São Genésio. Santa Clara. Santo Antônio. Santa Marta.

domingo, 14 de outubro de 2012

Fragmento Ulisses 1

Com a crueldade de uma criança que não sabe que até um corpo fragil é capaz de matar, Ulisses arranca um dos meus olhos, e sorri. Enquanto me esforço para adaptar-me a minha nova condição visual, tateio móveis e pessoas, procurando segurança em meus passos, que procuram cantos e uma palavra desconhecida que possa me tirar desse texto/ festa/casa/floresta/deserto/ que encontro-me.
Não sou eu, Penélope, vítima, pois de pequena aprendi que mesmo os animais em abate são capazes de fuga. Não /estou/sou eu, Penélope. Não sei fugir.
Como se não bastasse a ausência de um dos meus olhos, Ulisses parte, não a cavalo, mas em bicicleta, pedindo-me um carinho, que não sei ainda em que irá usá-lo.
Ele, Ulisses, que com pernas firmes atravessa cidades e fantasmas, precisa do pouco que me restou para poder ir embora.
Ulisses dorme em paz?
O binômio leveza- peso, que poderia descrever Ulisses e Penélope não tem mais aqui espaço, pois não há gravidade nessa história, logo, as massas dos corpos flutuam de maneira espectral. A unica coisa que cede a gravidade é sangue, que escorre do olho furado até esvaziar toda e qualquer paisagem de festa/texto/casa/floresta/deserto que encontramo-nos.

sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Naquela casa

Naquela casa havia ele, havia carpê e escuro. Uma margarida na mesa da cozinha, e barulho de carros que atravessam paredes e distância. Naquela casa, que sentia a camomila e tabaco havia cantos por todos os lados. Havia um corpo, e diversas línguas. E como comum ao que é estrangeiro havia desejo pelas peles, pelos canos velhos, pelas sujeiras escondidas em móvel de madeira.
O buraco, nosso, da casa, era falha de construção. Arquitetura de falhas e de fantasmas. Cotidiano desejo.
Naquela casa, havia um São Jorge, uma rede e uma esperança de descanso. Havia remédios escondidos, pois há sempre um coração que dispara tiros e devaneios. Há sempre um pé que de repente vira, um pedaço de osso que torce, um estômago que não digere, um corpo que não dorme.
Naquela casa, muito engraçada, havia teto e também havia NADA.
Naquela casa havia um grande buraco. Um abismo, que percorria órgãos e pedaços de paisagem. Um buraco na sala de estar,bem ali onde se espera as horas amortecerem pensamentos. Onde se espera um telefonema, onde se espera o sono, onde se espera uma porta se abrir. Onde se espera todos os clichês possíveis.
margarina, amor e conforto.
Naquela casa, velha, havia homens, mulheres e um cachorro rabiscado em pensamentos. Havia uma televisão e inúmeros medos. Havia gargalhadas e gozo. Havia esper(m)a.
Naquela casa havia palavras, quatro dicionários e uma frase pichada no corredor:
Herz ist Klischee und Sturm. Es gibt drei Herzen in diesem Haus.
imagem - Alexandra Belissimo

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ela

Seu desejo, maladroit, era desejo por testemunho. Ela, que aparentava sustentar seu próprio peso sentia dor nos pés, e uma vontade imensa em descobrir mistérios, em tocar pele desconhecida, em falar daquilo que não se conhece direito.
Ela, que também tinha medo de perder-se, sabia que todo encontro amoroso, era uma oportunidade para se tornar testemunha de uma vida, e também de se deixar testemunhar. Os dias, as banais alegrias, os vazios, os livros.
Ela, que não tinha nem nome, pois desejo às vezes não se nomeia, não esperava nada, pois era em desespero que suas ações eram feitas.
Trabalhar, anotar pensamentos pelas paredes, recortar imagens, e colecionar histórias com finais estranhos.Tomar banho, ler um livro, regar suas plantas.
Ela, que era desespero e alegria, tornava-se cada dia mais bonita, mais sozinha. Ela era convite e espinho. Seus pés latejavam. Ele a temia.

sábado, 8 de setembro de 2012

Anti-postal

"Se não é sua primeira viagem, o viajante já sabe que cidades como essa tem um avesso..." Italo Calvino
O avesso do que se vê, dos meus olhos que tornam tudo cinza, como maldição, ou privilégio, o que existe são cinza(s).
Como um "manque" um manco, uma mãe, falta-me um pedaço enorme, que mesmo percorrendo todas as ruas dessa cidade não o encontro. Nunca mais te encontro.
Não se trata de buracos, mas de afeto. De um cão deitado, em dia cinza, uma mão que toca o cão, que toca a mesa, que se toca. a mão que toca o cão, toca a lâmina, toca a neve, toca a pele que congela.
O avesso da cidade é o cão que abana o rabo e que pede humildemente afeto. Amar seria uma metáfora canina? O avesso da cidade é a mão da mãe, que mesmo trêmula suporta o peso de um outro corpo.
O avesso da cidade não está no postal, que envelhece pela falta de coragem em sair de casa e enviar-te algumas palavras. O avesso da cidade é o postal que não se tem coragem em entregar, é aquela foto que não se mostra, pois é ardência na retina. O avesso da cidade é aquilo que falta. é o anti-postal.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Carta de amor e cimento

Do deserto onde encontro-me tenho apenas uma enxada como lança/palavra para cavar(te) alguma resposta. Não me resta ao menos o desejo por dançar. Minhas pernas, já tão cansadas de colapsarem, estão imóveis. Ainda há inquietude e palavra. Sobram-me palavras e uma certa incapacidade em realizar ações simples e concretas. Resto-me cinza(s). Não criarei metáforas. Prometo. Reconheço seu medo pelo o que é clichê, pelo o que em mim é "tournure". Te contarei um dia sobre o que não é materialidade. Por já, apenas descrevo.
Por essa já justificada incapacidade em realização, descrevo imagens/ações que realizar-se-ão um dia.
Talvez sim. Talvez não.
Talvez por mim. Talvez por você.
Descrevo no infinitivo. Seria isso uma metáfora?
Ação 1- dançar em um quadrado de 2x2 metros de cimento em fase não sólida. Mover-se abrindo e quebrando espaços internos acimentados. Mover-se como quem cria e destrói "nuvens de sentidos".
A ação dura o tempo do cimento se tornar osso.
Estariam os pés da pessoa que executa essa ação, descalços, te pergunto.
Ação 2- Cavar (com a mesma enxada do deserto) um buraco fundo. Entrar e permanecer nesse buraco por uma hora.
Ação 3- Bater com uma enxada fortemente contra um muro cinza. Permanecer nessa ação até um dos objetos (muro ou enxada) sofrer a primeira ruptura/destruição.
Ação 4-
Curitiba, 08 de agosto de 2012 às 21h07. (mês do cachoro louco)

Amor proparoxítona

A sua incapacidade em acentuar uma palavra proparoxítona também me causava desajustes. Seu desajuste fonético se misturava a todos os meus desajustes estruturais, ou seja - pele e esqueleto. Sabia que estava ali de passagem e seu esforço em falar minha língua não poderia ser nada mais que desejo de adaptação, mas sem querer seus dedos tocaram o que em mim é segredo, então qualquer coisa partiu. Música e não musíca disse-lhe, calando sua boca com pele úmida.

domingo, 22 de julho de 2012

se.

Se tivesse a habilidade com as palavras descreviria paisagens internas e construiria imagens que se dissolviriam em pensamentos e em sintaxes. Se soubesse escrever falaria da forma como um peito pode afundar em direção a coluna vertebral
Talvez pudesse contar uma história simples, de alguém que na dificuldade em encontrar um sentido se ocupa de coisas simples como passear com seu cachorro e arrumar gavetas. Ordenar gavetas é uma maneira de se manter em pé.
Angustia é ferrugem colada ao peito, é o coração tentando espaço para existir entre tantos órgãos e contradição. Exist-Ir entre visceras.
A inabilidade com o alfabeto impede-me de dar um passo em direçao ao que é estranho.
Escrevo com desejo sincero de fazer saltar palavras/soluços, para tocar o som da água que transborda. Inscrevo para ser lido.
Nele nada transborda. Corpo concreto. Cimento só existe se ouver líquido. Não falo de água, pois tenho medo da redundância. Falo de cimentos.
Se soubesse ordenar palavras destruiria pedaços de experiencias, reconstruiria alguns encontros. Se soubesse tecer narrativas vingaria-me. Escreveria poemas em forma de chutes. Tocaria seus olhos, ou afundaria minhas unhas em sua carne. Inventaria narrativas que te levariam para lugares escuros, que jamais permiti ser visto. Se fosse me dado o direito às letras, inventaria palavras ou escreveria um livro com meio e fim. Não daria nenhum começo.
Começos desconhecem intimidade.
Se soubesse escrever enviaria cartas. Se soubesse escrever agrediria (teus) ossos.

sábado, 16 de junho de 2012

Ovo frito

A seu pedido recomecei a escrever. Tenho medo, quer que eu lhe mostre? pergunto eu, menino, enquanto me equilibro na gangorra. Gangrena. Faz sol aqui, e é tão bonito. Não o sol, que amortece e estala meus pensamentos. Ovo frito. Bonito é vento, pois não o vemos. Vento é vazio que não nos espanca.
Até aqui, digressões.
A seu pedido recomeço a escrever. Como ainda não me sinto intímo com as palavras escrevo com roupas escuras. Nu é o que a gente rabisca. Recomeço. Escrevo a seu pedido como forma de tocarver fantasmas. Preciso ter certeza do que "eles" são feitos, por isso olhos abertos.Nunca acreditei em fantasmas de lençóis, mas há dias deito-me no chão. Retirei todos os lençóis do quarto e da casa. Joguei fora os remédios prescritos por Dr. Monte, na esperança de curar-me com os olhos. Vigília.
Há dias não durmo, e a cada minuto tenho mais certeza de que eles não são lençóis brancos, não são cordeiros, não são. Não os nomeio, mas sinto seu peso. Fantasmas têm ossos. Osso pesa.
Sei que perco meu tempo a olhar para o que você diz não ser real. Tento seguir seus conselhos, como forma de equilibrar minhas pernas. Deixei-os anotados no espelho do banheiro, na palma de minha mão esquerda, na caneca de café, e nas chaves de casa.
Dói meus olhos. tudo aqui estala. Ovo frito.

domingo, 10 de junho de 2012

Amor proparoxítona

O frio gélido do continente onde ele viveu deixou-lhe marcas nos gestos, pequenas crostas de neve em suas articulações que lhe impedem de mexer os quadris, de abrir os braços, de oferecer-me seu osso esterno. A forma como ele balança seu corpo é uma tentativa desajustada de abertura. O que nos une é líquido e cheira a suor. A exposição inocente de seus passos provoca-me um riso nervoso. Não lhe ensino a dançar. Ofereço o que em mim é quase carnaval.

Lista de supermercado

O que se deseja e o que não sossega. Os pés não sossegam. Acordei cordeiros. Pedi piedade e tranquei pés e garganta. Não falarei sobre amor. Não falarei sobre ausências. Esse texto nasce do desejo de se tornar/tomar distância. Diânsia. ânsia de modelo magra. ânsia de véspera. ânsia de criança faminta. ânsia de vômito. Não falarei sobre amor. Falarei de tantos outros clichês. Flores Choro Fluxo Fluxetina. Falar só sobre o que se suporta. Os pés. Estar em pé. Escrever como quem pede socorro. Como quem escreve e rabisca Como quem se atrai por gavetas. Escrever o que não se suporta como quem faz lista de supermarcado. - Errar - Perder-se - Perder a mão, os braços, a perna. Perder a noção, a loção, a cabeça. - `Perder o jogo. Perder a hora. A hora. Perder o que não se tem. Perder a mão, a mãe. - Perder o sono. Perder o remédio. Não há remédio. O sono se perde. Perde cordeiros. Pede paciência. Escrever o que não se suporta como quem faz lista de supermercado.

quarta-feira, 18 de janeiro de 2012

os pontos de Alice.

Palavra dói como garrafa estourada no crânio, como pele queimada. Deitada na cama, Alice redesenha todo o trajeto feito antes do roubo, mas o que encontra pelo caminho são lembranças de coisas que já supostamente enterrou: cartas, uma dor no canto esquerdo do peito e um pedido dentro de um envelope - a linguagem. Não se trata de amor. Trata-se de asfalto. Alice não flutua mais. Alice

c
a
i

perde palavras e dedos. sangue não cura dor de memória diz o médico- "a palavra ameniza o que a linha costura." As pernas quebradas de Alice. Quebrante querência. Garrafa estourada. A linha costura______________________________________________________________.