terça-feira, 18 de setembro de 2012

Ela

Seu desejo, maladroit, era desejo por testemunho. Ela, que aparentava sustentar seu próprio peso sentia dor nos pés, e uma vontade imensa em descobrir mistérios, em tocar pele desconhecida, em falar daquilo que não se conhece direito.
Ela, que também tinha medo de perder-se, sabia que todo encontro amoroso, era uma oportunidade para se tornar testemunha de uma vida, e também de se deixar testemunhar. Os dias, as banais alegrias, os vazios, os livros.
Ela, que não tinha nem nome, pois desejo às vezes não se nomeia, não esperava nada, pois era em desespero que suas ações eram feitas.
Trabalhar, anotar pensamentos pelas paredes, recortar imagens, e colecionar histórias com finais estranhos.Tomar banho, ler um livro, regar suas plantas.
Ela, que era desespero e alegria, tornava-se cada dia mais bonita, mais sozinha. Ela era convite e espinho. Seus pés latejavam. Ele a temia.

sábado, 8 de setembro de 2012

Anti-postal

"Se não é sua primeira viagem, o viajante já sabe que cidades como essa tem um avesso..." Italo Calvino
O avesso do que se vê, dos meus olhos que tornam tudo cinza, como maldição, ou privilégio, o que existe são cinza(s).
Como um "manque" um manco, uma mãe, falta-me um pedaço enorme, que mesmo percorrendo todas as ruas dessa cidade não o encontro. Nunca mais te encontro.
Não se trata de buracos, mas de afeto. De um cão deitado, em dia cinza, uma mão que toca o cão, que toca a mesa, que se toca. a mão que toca o cão, toca a lâmina, toca a neve, toca a pele que congela.
O avesso da cidade é o cão que abana o rabo e que pede humildemente afeto. Amar seria uma metáfora canina? O avesso da cidade é a mão da mãe, que mesmo trêmula suporta o peso de um outro corpo.
O avesso da cidade não está no postal, que envelhece pela falta de coragem em sair de casa e enviar-te algumas palavras. O avesso da cidade é o postal que não se tem coragem em entregar, é aquela foto que não se mostra, pois é ardência na retina. O avesso da cidade é aquilo que falta. é o anti-postal.

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Carta de amor e cimento

Do deserto onde encontro-me tenho apenas uma enxada como lança/palavra para cavar(te) alguma resposta. Não me resta ao menos o desejo por dançar. Minhas pernas, já tão cansadas de colapsarem, estão imóveis. Ainda há inquietude e palavra. Sobram-me palavras e uma certa incapacidade em realizar ações simples e concretas. Resto-me cinza(s). Não criarei metáforas. Prometo. Reconheço seu medo pelo o que é clichê, pelo o que em mim é "tournure". Te contarei um dia sobre o que não é materialidade. Por já, apenas descrevo.
Por essa já justificada incapacidade em realização, descrevo imagens/ações que realizar-se-ão um dia.
Talvez sim. Talvez não.
Talvez por mim. Talvez por você.
Descrevo no infinitivo. Seria isso uma metáfora?
Ação 1- dançar em um quadrado de 2x2 metros de cimento em fase não sólida. Mover-se abrindo e quebrando espaços internos acimentados. Mover-se como quem cria e destrói "nuvens de sentidos".
A ação dura o tempo do cimento se tornar osso.
Estariam os pés da pessoa que executa essa ação, descalços, te pergunto.
Ação 2- Cavar (com a mesma enxada do deserto) um buraco fundo. Entrar e permanecer nesse buraco por uma hora.
Ação 3- Bater com uma enxada fortemente contra um muro cinza. Permanecer nessa ação até um dos objetos (muro ou enxada) sofrer a primeira ruptura/destruição.
Ação 4-
Curitiba, 08 de agosto de 2012 às 21h07. (mês do cachoro louco)

Amor proparoxítona

A sua incapacidade em acentuar uma palavra proparoxítona também me causava desajustes. Seu desajuste fonético se misturava a todos os meus desajustes estruturais, ou seja - pele e esqueleto. Sabia que estava ali de passagem e seu esforço em falar minha língua não poderia ser nada mais que desejo de adaptação, mas sem querer seus dedos tocaram o que em mim é segredo, então qualquer coisa partiu. Música e não musíca disse-lhe, calando sua boca com pele úmida.