sexta-feira, 29 de abril de 2011

todo diario e uma falacia. Todo diario sonha em ser lido


"Para onde vão os trens, meu pai? Para Mahal, Tami, para Camiri, espaços no mapa, e depois o pai ria: também para lugar nenhum, meu filho, tu podes ir e ainda que se mova o trem tu não te moves de ti"


Essa noite tive um sonho estranho. Um sonho de gozo e de palavra. E como comum em sonhos, palavra e falo, em mim, penetravam. Misturo aqui sonho, realidade, diario parafrase e citacao;
Li num livro de capa bonita que a palavra ficcao vem de fingir.Entao por isso finjo/

Estou em Paris. E, sozinho, diante de uma janela olho para um mundo que me atravessa. Aqui e/esta passado e presente. Sinto a dor da bagagem carregada por horas em minhas costas; o peso da lingua. A lingua pesa e me faco entender pelos olhos. Estou em Paris como poderia estar no Rio de Janeiro, em Berlim, em Londrina ou em Marrakesh.


Meu peso e o mesmo. E se eu nada falasse, voce me compreeenderia? Fecho os olhos e desenho o caminho que meus gestos fariam se voce estivesse diante de mim. Desenho em meus pensamentos as colisoes entre meu corpo e o asfalto. Desenho a sensacao da minha boca diante da sua. Desenho quedas e aceno.

No sonho vejo seu rosto misturado ao de outros homens. Voce esta dentro e fora mim. Voce me oferece uma revista, assim, banal e poetico como o que e cotidiano.

Aqui em Paris, o ceu esta escuro e cinza; e eu penso em sair para comprar bananas. Viajar nao e chique, viajar me doi. Penso no amarelo da banana, mas me falta coragem. Me falta coragem de ver o que e real, que real nao vem de fingir, e que e do real que eu finjo. O real nos finca. Me falta coragem para comprar uma banana.

Li ontem, naquele seu livro preferido que Endecha e uma poesia que revela as dores do coracao. Conseguirei eu revelar alguma dor se nao escrever em versos?

quinta-feira, 21 de abril de 2011

carta poema a um senhor discreto


Depois de passar alguns dias entre trens e abismos,
decidi que tenho poemas para um livro
e que, de alguma maneira, cada um destes poemas
é uma carta endereçada
a um senhor discreto que, pouco a pouco,
me inscreve no olvido, ao Nada.

Depois de passar alguns dias enterrado entre espaços,decidi revelar a ele ou a você, em forma de meses, aquilo que nunca deixei escapar de meus lábios.

A esse senhor escrevo com letras de FORMA, com certa FORMALIDADE, de quem esconde pensamentos perversos, de quem esconde rasgões por debaixo da roupa.

O primeiro poema "JANEIRO" tem quase nada de beleza, pois nele o sol estala e aquece demais palavras ou vontades. Janeiro é um poema de quem não dorme, de quem não entende muito de verão.

Esse senhor pequeno discreto e de óculos, dificilmente muda a feição de seu rosto. Para ele entrego envelopes em cor parda, e a cada nova cartamêspoema tento me aproximar das veias saltadas de suas mãos. De olhos fechados suas veias e mãos atravessam meu corpo.

O poema FEVEREIRO é um desejo por carnaval, é um poema fantasia. A esse sonhor discreto peço apenas que compreenda que devaneio é também uma forma de sobrevivencia.

MARÇO ABRIL E MAIO foram mesespoemas de paralisia, pois com eles senti que minhas palavras podiam ser ausências, e era de ausências que esse senhor mais fugia.

JUNHO entreguei a ele um poema -envelope. Nele apenas uma folha vazia, e com ele todo o clichê conceitual que acompanhava meus pensamentos e minha espera.

Aos poucos esse senhor começou a me conhecer e reconhecer as pistas de meu amor-palavras. Antes de postar a carta JUNHO, recebi dele por mensagem, um recado dizendo que não aceitaria nem a palavra FRIO, nem INVERNO. Era como se ele descobrisse toda minha previsibilidade.

Não tive resposta, nem poema. O livro que agora escrevo, é um ano sem o mês junho. Fiquei um mês sem escrever.

A esse senhor discreto enviei juntamente com o poema JULHO pedaços de neve que viraram água.

AGOSTO foi o primeiro poema com humor, um poema chiste. De palavras e ditos populares. Cachorro louco, noiva e até desgosto se fundiram em rimas aparentemente pobres, mas com uma certa ironia. Não sei se você, ou mesmo o senhor discreto conseguem ver ironia que é essa dor de.

Dor de SETEMBRO
em cada lugar que procuro
tropeço nos mesmo buracos
viver é esse transito
entre vícios e colapsos

Sua resposta calou-me por mais um mês. Descrevo aqui, nesse livro, que é também de amor e vingança a sua mensagem: "não compreendo como tem coragem de rimar buraco com colapso"

OUTUBRO meu peito doia, e decidi que só iria escrever com rima. Dentro do envelope pardo, entreguei ao senhor discreto uma lauda de palavras que rimassem com OUTUBRO. Já não posso pronuncia-las

NOVEMBRO e DEZEMBRO enviei-lhe poemas com pedaços de minha pele. eram peomas de fim, e neles anexei dois de meus ultimos sonhos. Junto com minhas palavras envie-lhe meu corpo em forma onírica. NOVEMBRO E DEZEMBRO me expus em imagens.

O senhor discreto enviou-me numa maleta, em quase véspera de mudança de poema,digo, de ano, todos os meus envelopes e cartas, com um PEDIDO em LETRAS GARRAFAIS...

"NAO SUPORTO O PESO DE UM PAPEL"

amores liquidos



Therèse

Alterna água quente e gelada sobre seus seios. Sente bolhas pelo corpo, e ouve o barulho de seus estouros. Grita em quase silêncio enquanto enterra seus pés num jardim. Uma mulher a observa pela janela.

terça-feira, 19 de abril de 2011

Você - outdoor


O que se pode falar sobre a distância em cinco minutos? tenho exatos 3oo segundos pra tentar explicar ou me aproximar dessa linha que separa/separou eu de você, ou que separa tantas outras coisas. Distâncias mapas fronteiras. qual a distancia entre meus pulsos machucados e sua boca? A minha-nossa Distância tem fome e qualquer coisa de estanho. VocÊ não tem idéia do susto que levei ao sair de casa e ver seu rosto tão grande estampado/cravado naquele outdoor. Senti-me invadido. Minhas pernas paralisaram meus pensamentos. Parei por segundos na frente do outdoor, e aqui nao vem ao caso, dizer minha opnião sobre a tal publicidade que voce escolheu fazer, o que tenho urgência em falar é sobre o frio na minha barriga ao reconhecer cada pedaço de seu rosto. Enrubeci constrangido, como se todas as pessoas por perto adivinhassem o quanto você conheceu cada pedaço escondido de meu corpo em pedaços. aquela foto no outdoor me lembrou do seu gozo, da textura e da temperatura dele no meu corpo, da forma como você descansava ao meu lado cada vez que gozavamos. Lembrei que sabia de cor os caminhos de suas espinhas, e reconhecia cada fio branco novo nascido no seu cabelo tão jovem. Distâncias são dromedários. Meu desejo é deserto.

domingo, 10 de abril de 2011

Uma formiga


Escrever é apenas uma tentativa de tornar visível aquilo que não consegui ver, que me escapou entre os dedos, junto com você. Se descrevesse cenas, ou criasse qualquer narrativa estaria cada vez mais longe daquela sensação estranhamente conhecida que é a da impresença. Ao seu lado, imagens se confundiam com memórias. Fechei os olhos, e como o menino do filme, me tornei uma formiga.


Bom, dizem que não existe encontro entre duas pessoas, mas sim entre dois desejos. Então parto desse ponto para tentar me/te/nos explicar. Seu medo encontrou meu desejo, e isso te causou um certo espanto.


Meu espanto foi de ver você partindo num ônibus, com medo até de olhar para trás. Disse que não descreveria cenas, e caio eu na descrição mais clichê possível, a de uma despedida. Alguém que vai embora e não olha para trás. Alguém incapaz de ser tocado.


Prometo também não falar a palavra coração pra descrever o aperto que senti ao saber que sua impresença era medo dos meus gestos, meus gestos maladroites, do meu corpo inquieto e das minhas palavras esburacadas. Não repetirei a palavra coração pois ha tempos aprendi que celulas neuronais estão espalhadas em outros órgãos do corpo, o que justifica o meu descontrole, e os meus tombos, o que explica as incessantes endoscopias, que nada acusam.


Fechei os olhos e me tornei uma formiga.


quinta-feira, 7 de abril de 2011

Afeto

O afeto que move o cão, que move a moça, que move o tarado, que move o padre, que move a perda, que move o gerente, que move a mão. O afeto que move a mãe, que move a puta, que move a dor, que move a filha, que move o carro, que move as pernas que move o não. O afeto que me co-move.

quarta-feira, 6 de abril de 2011

a mulher na escada

Fotografia de Ricardo Pozzo


"O sexo despedaça o corpo e o amor o reconstitui" C. Calligaris

Na escada vive a Mulher sem Rosto. Uma mulher nua. Quase Rompida. São 11 horas da manhã. A mulher está já um pouco atrasada. A força da imagem ao lado (a fotografia) é mais forte do que essas palavras que com urgência abandono nessa tela. Toda pessoa ja deve ter ouvido a ironia de alguem que diz que vai passar perfume para tirar uma foto. Nessa ironia cliche esconde uma pergunta preciosa. Que cheiro tem algumas imagens? E por que algumas imagens não tem cheiro e nem forma? são sobre perguntas clichês, sobre estados clichês que surgem alguns esboços narrativos. . Esse é um texto clichê. Sobre o corpo depois do sexo, sobre o estranho prazer e solidão de se sentir fodido. A mistura de leite de rosas e esperma espalha-se por toda a arquitetura do prédio antigo. O homem que acabara de partir também não tem rosto. Ela está deitada e ainda sente a ausência e a dilatação que arde em seus buracos. Ela está ocre. A dor que sente é memoria física da recente penetração È. uma constatação. E uma dificuldade em se levantar e juntar seus cacos/pele, seus cacos/desejos, seus cacos/ mulher. Prostrada ela sente o cheiro espalhado pela escada. Cheiro do homem que partiu, cheiro de lagrimas e pó. Ela, a mulher sem rosto, sabe que precisa sair dali, que precisa se levantar e se arrumar para ir trabalhar, para mais um dia fingir que suas pernas são suficientemente fortes para sustentar seu salto-alto. Em qualquer outro canto da cidade o Homem sem Rosto caminha pensando que nunca mais verá a Mulher da Escada, lembra de alguns de seus compromissos da semana, e rapidamente procura alguma revista numa banca de jornal, na tentativa de disfarçar um pequeno nó que apareceu entre seu pescoço e peito.

terça-feira, 5 de abril de 2011

queria escrever um texto em terceira pessoa

Queria escrever um texto em terceira pessoa que descrevesse uma mulher de mais ou menos 30 anos que espera alguém. Um texto curto. Sem longas descrições. Um texto sem pretensão. Um texto sobre medo dos cantos e sobre o som de um aspirador. Um texto fotografia. De uma mulher enrolada no cabo de um aspirador. Uma imagem que vi numa galeria de arte. Uma imagem pretexto. Um texto pretexto, pois toda frase é um pretexto para tentar tocar no invisível, para falar sobre cantos. Foi justamente por causa desse pavor dos cantos que iniciei um tratamento a base de pilulas. Escondo as pilulas debaixo da minha cama a cada novo amante que recebo. Tenho vergonha que eles percebam o tremor de minhas mãos ou que eles sintam que meu coração dispara violentamente de tempos em tempos.Tenho vergonha de mostrar que meu coração é frágil como esses despertadores de 1,99. Dentro do meu apartamento espero que ele chegue logo. Para esperar é necessário limpar todos os cantos, rasgar todos os pedaços de papeis antigos. Naquele canto ao lado esquerdo é onde ficou os traços de toda a nossa história. para escrever é preciso esvaziar.