sexta-feira, 18 de julho de 2014

L ' amour boucher

Ele, que lidava com facas e com carne não poderia matar aquilo que eu denominava ser fome. Ele, habilidoso com ervas, com fogo e com facas não poderia fazer outra coisa que cortar-me. Ele, que aparentava ser mais novo que suas marcas no rosto dizia não ter pressa, não ter testa, não fazer festa, não ter tempo pra ciesta. Ele, que aprendera a temperar carnes, a matar bestas, não tivera tempo de aprender aquilo que chamamos abraço.
O contato entre dois peitos, entre dois corpos em pêlos só poderia ser feito após um apéro, un plat principal, un deserto, un fromage, un café, uma semana, un apéro, un plat principal, un dessert, um ano.
Para existir o toque faltava-lhe oceano.
Sua seriedade opunha-se violentamente ao meu riso que escorria pelas minhas lágrimas prestes a vazar em forma de mijo, em forma de rio, em forma de gozo.
Eu, que nada aprendera sobre facas, sobre temperos, sobre carne, continuo a sangrar.
Minto.

domingo, 29 de junho de 2014

O Beijo de Schiller é uma pequena morte

“ Um escritor é uma contradição” ( Marguerite Duras)
Toda literatura é de alguma forma uma travessia, e foi com o livro O Beijo de Schiller, romance de Cezar Tridapalli que atravessei um oceano. Todo fim de um bom romance para mim é também uma morte, ou melhor, uma petite mort, como a língua francesa também denomina o gozo. Falo de literatura. Não, falo de vida. Melhor: falo apenas de uma travessia.
Um livro é uma travessia acompanhada. Ele é um parceiro justamente por nos permitir a solitude. Ler é um aconchego e um convite para essa nossa condição solitária.
Iniciei a leitura de O Beijo de Schiller ainda no Aeroporto Afonso Pena e troquei duas vezes de aeroporto para chegar ao meu destino final, e foi com ele que atravessei paisagens, climas, estações até chegar num outro continente.
Existe uma expressão em francês para denominar um tipo de romance fácil, que não exige muito do leitor e que serve para esperar a chegada do trem. O nome desse tipo de literatura é roman de gare (romance de rodoviária)
O beijo de Schiller não é nem literatura de rodoviária, muito menos de aeroporto, embora seja um ótimo companheiro. Mas, ao contrário de fazer o tempo passar rápido, ele suspende o tempo e cria algumas camadas de realidade.
A história é sobre um seqüestro e sobre se tornar refém, e Tridapalli evita possíveis clichês e constrói uma trama com a astúcia de um romancista experiente ou de um prisioneiro que conhece a saída de sua prisão.
O Beijo é irônico e erótico. E por ser erótico, é corpo, e a dicção e grafia de Tridapalli fogem de alguns lugares comuns, mesmo quase resvalando em um deles, que é um personagem escritor que escreve um livro dentro do próprio livro.
O que Cezar narra é tão realista por flertar justamente com o absurdo. Falo de literatura. Não, falo de vida. Melhor: falo apenas de uma travessia.
A Curitiba de Tridapalli tem um frescor e uma atualidade que se diferenciam, com todo o respeito ao mestre Trevisan, de sua Curitiba vampira. O beijo de Schiler não é um livro bairrista, mesmo assumindo e citando nomes de ruas, de bares e de paisagens curitibanas.
Da mesma forma que em o seu primeiro romance (Pequena Biografia de desejos,7letras) O Beijo de Schiller, problematiza a ficção e nossa condição urbana, classe média. Ele revela ao leitor e aos próprios personagens a dimensão dramática e patética da vida. O seqüestro, em O Beijo, é uma metáfora também de paternidade, de casamento ou simplesmente de amor. Ou talvez não seja metáfora alguma.
O lirismo em todo o livro é construído e desconstruído a cada parágrafo de maneira inteligente, da mesma maneira que o humor e as digressões que atravessam as 272 páginas do romance.
O leitor em um certo momento é convidado a ficar de costas, ameaçado por um revolver, apenas a escutar a água que escorre de um corpo jovem que possivelmente se masturba. Quão cúmplices podem se tornar um seqüestrador e um refém?
Assim como o personagem Emílio, eu também me tornei voluntariamente refém da escrita desse romance e me permito aqui reescrever a dedicatória feita pelo escritor no meu livro, pois “na vida toda narração é em primeira pessoa”
“Ronie, caríssimo ajude a responder: Pietà ou Putaria?
Caro Cézar, não consigo ainda responder à sua questão, pois para mim tudo isso é apenas redenção.
Obrigado

segunda-feira, 28 de abril de 2014

dança sem título

Dançar é verbo curioso, é verbo de corte, de salão. É verbo pista, é verbo transitivo e intransitivo. Dançar em língua portuguesa pode ser sinônimo de se dar mal - "Fulano dançou". Há quem dance para acasalar, para emagrecer. Há quem dance em torno de um pau. Pool. Pinto. Cano. Há quem dance para abrir espaços, conhecer espaços. Há quem sonhe com valsa. Há quem sonhe Billie Elliot. Há quem dance as feridas de uma bomba. Há quem dance sem pernas. Quem dance com cadeiras, em cadeiras de rodas. Há quem dance pela web cam, com sua caneta, de olhos fechados. Há quem dance pelo simples e complexo desejo de conhecer algo. Se a dança é produção de conhecimento ela apenas existe/insiste pela vontade incessante de mover algo. De mover o chão, de mover os ossos. Dançar é verbo/ação/ potência de subversão. Talvez uma das questões presentes em inúmeros projetos contemporâneos de dança é a possibilidade de se dançar perguntas. Dançar é também duvidar, desconfiar. Duvidar do que é ser, ou do que significa ser brasileiro, do que significa ser homem, ser mulher, ser cachorro. Dançar é parafrasear antropofagicamente a pergunta de Espinoza: O que pode o corpo? O que pode o porco?

sexta-feira, 4 de abril de 2014

ao moço .

Eles se encontram de maneira pontual e já no primeiro toque há uma pontuação. O tapinha nas costas é quase sempre afeto gago, afeto manco, desafeto. Nâo se pode pontuar o que escorre.
Diante da frieza da fala, a pontuação é feita de maneira educada e polida. A notícia/novela é exposta na mesa. Diante do nâo há sempre algumas possibilidades: escorrer água pelos olhos, olhar para o teto e comentar a altura do pé direito. não escorrer água pelos olhos. olhar para seus pés e tocá-los de maneira discreta e profunda. escorrer apenas as pernas. concentrar-se no mastigar, contando trinta e duas mastigações antes da deglutição. Escorrer saliva da boca. comentar sobre o tempo, sobre a fata de tempo, sobre a invençâo do tempo, sobre a mudança de tempo, sobre a incerteza do tempo, sobre a incapacidade do tempo, sobre a puta que o pariu do tempo. escorrer o peito em direçâo às costelas
levantar-se e ir embora.

o pai

Seu pai parado em frente ao muro branco perde a memória. Eu parado em frente a ele perco meus pés. Seu olhar é poço. Intimidade é pé. Me pesa.

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

Desidério c'est moi ou para que servem os livros

Desidério c’est moi ou Para que servem os livros?
A célebre frase “Emma Bovary c’est moi” (Emma Bovary sou eu) do autor Gustave Flaubert foi a maneira inteligente e irônica que o escritor encontrou para responder as acusações que sofrera após ter escrito o romance Madame Bovary em 1857.
Flaubert, na França no século XIX após a publicação de seu livro foi levado ao Tribunal e acusado de ofensa a moral e a religião. Madame Bovary (um de meus romances preferidos) é considerado por alguns teóricos como a primeira obra literaria realista .
Da mesma forma que Emma Bovary é Flaubert, ela também pode ser eu, pode ser você, pode ser qualquer outra pessoa, mesmo duzentos anos depois de ter sido escrita e pensada. Talvez seja isso o que tanto me encanta na literatura; esse potencial de sermos outro, outros. A literatura é um convite a alteridade.
Em Pequena Biografia de desejos, através de Desidério, um porteiro curitibano, que sonha em escrever um livro, o escritor e tradutor Cezar Tridapalli desenha personagens e vida num jogo mosaico de encontros, de passado e presente, de desejo e de destino.
Desiderio do escuro de sua guarita, anota frases de livros debaixo de sua mesa de trabalho. Desiderio utiliza as “aspas “como procedimento para ir criando e tecendo seu próprio livro. O porteiro inscreve na madeira de sua mesa, palavras que despertam seus olhos e desejoS.
Assim como o porteiro, após o fim da leitura do livro Pequena Biografia de desejos dei-me conta que arranquei dele pedaços, sublinhei partes que me tocaram e os escondi em algum móvel dentro de mim. ...”a demonstração de sensibilidade sempre precisou ser vigiada entre meninos” Longe de ser uma obra metalinguistica Pequena Biografia de desejos aponta questões ligadas ao fazer literário bem como abriga de maneira precisa e intertextual outras obras literárias. Distante também de ser um livro panfletário e bairrista o romance de estréia de Tridapalli reflete em alguns momentos sobre leitura, e sobre a relação do brasileiro ao acesso a palavra escrita (reflexão) e também passeia por paisagens e ruas conhecidas de Curitiba.
Desiderio que vem da palavra Desiderium e significa desejo, é assim como são as pessoas, como é Madame Bovary, como é Macaria (sua esposa) cheio de lugares escondidos e desejos, de simplicidades e fantasmas, de vida e de morte, de alegrias e frustrações. ...”Sabia que existiam confissões que só se faziam a própria consciência, assim como também sabia que este último pensamento, tal qual pensara, não era dele. As revelações que faziam a própria consciência jamais saíam de sua boca”
O livro e os personagens de Tridapalli (como nossa vida?) são compostos por histórias e digressões, e eles, os personagens, se cruzam de maneira casual, ou planejada, tecendo assim uma narrativa de tom biográfico, mas não por narrar de maneira linear a vida de uma pessoa, mas por construir uma vida (livro) na relação com outras vidas (obras).
O realismo poético utilizado pelo autor para escrever as 219 paginas que compõe seu livro de lançamento, torna a leitura agradável e leve, sem tornar o livro superficial ou facilitador.
Da descrição do tênis Kichute a narração dos desejo sexuais de Desidério, Cézar Tridapalli busca pelas palavras que se tornam imagens a complexidade e o trabalho árduo que é se aproximar de uma pessoa-historias numa construção ficcional.
Em uma das passagens do livro, Desiderio se pergunta quais marcas os 42 autores que lera ate então deixara no mundo e no seu mundo? Desidério como Cesar Tridapalli se questionam para que servem os livros, e apontam algumas respostas provisórias.
Para que servem os livros? Abro apenas um lado de uma “aspa” como forma de dizer que o que escrevo são palavras de Desiderio, mas também são minhas, dos autores que li ou lerei e que só você que agora está lendo pode fechá-las. “ Talvez os livros sirvam para nos dar habilidade de propor mais perguntas de nos preocupar com a gravidade sobre o tudo O corpo mirrado e morto,ali na minha frente também me faz pensar sobre a gravidade. Um livro serve para ser lido, como o desejo serve ao corpo, ou o corpo serve ao desejo. Um livro serve para alimentar e destruir ilusões. Um livro é um desejo que se direciona a outros desejos. Ë alguém que grita em palavras. Um livro serve para ser lido...
Pequena Biografia de desejos precisa ser lido.

terça-feira, 25 de junho de 2013

Não é sobre amor. é sobre você.

Caminho devagar em direção a escadas e deparo-me com uma antiga paralisia.
Adoeço calçando meus velhos tênis de corrida.Não me movo enquanto aquela nossa música não para de tocar.
Keep me in mind.
Você SOCORRISTA. Você salva-vidas. Eu afogado. Afogo-me com ar, tintas e clichês.
Eu, não Ofélia, afogo feito pedra que não dá leite.
Afundo-me escutando sua voz grave que ainda escorre por todos os meu cantos